Por: Aliny Gama /para o UOL Notícias
Há 25 anos, o agricultor José Antônio do Nascimento, 45, é mantido preso pelo pai em um cômodo da casa da família, no município de Areia Branca (RN), a 283 quilômetros de Natal.
A constatação foi feita nesta segunda-feira (26) por assistentes sociais, que estão produzindo um relatório que será encaminhado a órgãos como Ministério Público e Polícia Civil.
Antônio tem problemas mentais e vive como um animal abandonado em um espaço de pouco mais de 3m², sem cama ou móveis e fechado com uma grade. Segundo os próprios familiares, em 1986 ele presenciou o assassinato da cunhada grávida –crime cometido pelo irmão João Antônio do Nascimento– e desde então, o deficiente teria se tornado agressivo e apresentado problemas psíquicos graves.
"Ele ficou se tratando em Mossoró por um ano, mas depois que voltou, a família ficou sem saber o que fazer e o prendeu lá", contou a vizinha Roberta Maria. O pai de José, Cícero Raimundo do Nascimento, 79, confirma que optou pelo cárcere privado para se proteger das agressividades do filho.
Segundo informaram vizinhos ao UOL Notícias, Antônio mora com o pai e com o irmão, João Antônio do Nascimento, que foi solto depois de cumprir 10 anos de pena pelo assassinato da mulher. “A situação deles é de clamar os céus. Desde que a mãe de José morreu em 2004, vítima de complicações por infestação de vermes, ele vive largado lá naquela casa. Não sai do ‘quarto’ nem para fazer as necessidades”, relatou uma vizinha.
Aparentando desconhecer as leis e o crime de cárcere privado, Cícero Raimundo conta com naturalidade que prendeu o filho porque não “pode com ele quando fica agressivo”. O deficiente não tem acompanhamento médico e vive apenas com um prato de comida por dia e 30 cigarros que –segundo o pai– mantém o filho “mais calmo”. Para ele, manter o homem preso e acorrentado foi a forma de segurá-lo em casa e o proteger para não cometer agressões.
A sujeira toma conta do espaço, que sequer tem banheiro ou cama. José Antônio dorme em uma rede. Ele faz as necessidades fisiológicas no chão, que nunca são limpas. A única vez no dia que a grade é aberta é para passar comida. O alimento só chega com ajuda dos vizinhos, que, sensibilizados com a situação do rapaz, mandam refeições para José.
“Eles são muito pobres e passam fome mesmo. Raras vezes o pai consegue comprar uma quentinha. Sempre mando comida, mas não tenho coragem de ver a situação, pois José era uma pessoa muito boa quando trabalhava na roça e vendia carvão. Não entendo porque os irmãos não tomam conta dele e do pai e os deixam largados naquela situação”, disse a vizinha Heloísa Rodrigues de Oliveira, que mora a duas ruas da casa de José e Cícero.
“Tem um irmão que mora com eles, mas não dá nenhuma assistência. O que sei é que ele vai receber na lotérica um pagamento todo mês. Deve ser a aposentadoria de José por invalidez”, afirmou outra vizinha.
Sem registro no CRAS
Apesar da população do povoado de Ponta do Mel saber do cárcere privado de José Antonio, o assunto é pouco comentado por medo. Nesta segunda-feira (26), após o caso se tornar público no Rio Grande do Norte, é que uma equipe do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) visitou a família de José Antônio para investigar o caso e mostrar os meios da família ter acesso às políticas públicas para melhorar a condição de vida dele.
A chefe do CRAS, Edvania Pereira, afirmou que a equipe de assistentes sociais está elaborando um relatório sobre os problemas constatados na casa de Antônio. “Vamos repassar a cada órgão um documento para que as providências cabíveis sejam tomadas", disse.
Pereira conta que ficou espantada ao ver a situação do deficiente e disse que o caso é “bastante complicado”. “Uma complexidade de fatores deixou o jovem naquela situação preocupante. A primeira delas é o total desconhecimento dos benefícios e direitos que José Antônio têm por ser doente mental. Vamos cobrar que todas as providências necessárias sejam tomadas para tirá-lo daquela situação”, disse, reforçando que causou estranheza à equipe saber que ele recebe benefício de um salário mínimo acrescido de 25% a mais por mês e o pai dele também receber aposentadoria de um salário mínimo e eles viverem em uma situação de extrema pobreza.
“Vamos analisar o cárcere privado também para não fazer injustiças, pois seu Cícero se mostrou ignorante do assunto e sequer acha que manter o filho naquela forma é crime. Ele também precisa de assistência”, disse Edvania.
A assistente social afirmou ainda que solicitou o prontuário médico à equipe do PSF (Programa de Saúde da Família) que atende o povoado de Ponta do Mel para saber se José Antonio vem sendo atendido da forma correta. “Vamos encaminhar tudo para um psiquiatra realizar um parecer técnico e após o resultado deveremos fazer os encaminhamentos necessários para mudar a realidade da família”, informou.
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